Influências e Transformações
No Brasil, algumas das primeiras manifestações artísticas relacionadas à tradição européia, herdada da colonização, estão relacionadas à igreja católica. Num período em que não havia separação entre Estado e Igreja, a arte foi vista como forma de doutrinação, em especial na catequese dos índios e africanos. Foi uma forma de dominação cultural que impôs outra religiosidade e outra visão do mundo, em grande parte baseadas no poder de convencimento das artes. Esse período ficou conhecido como Barroco brasileiro, por ser uma adaptação do estilo Barroco da Europa. Aleijadinho (c. 1738-1814), é um dos principais representantes da arte do período.

Aleijadinho (Antonio Francisco Lisboa, c. 1738 - 1814) O Carregamento da Cruz ( Salvador carregando o madeira), 1796-1799. Escultura de tamanho natural em cedro, Santuário Bom Jesus de Matosinho, Congonhas - MG
Barroco
O Barroco foi um estilo artístico que surgiu na Itália e dominou a arte européia na passagem do século XVI para o XVII. Nessa época, uma nova reação dos europeus com o mundo ameaçava balançar os alicerces da igreja católica. A humanidade começava a ter o pensamento mais voltado para a ciência e para a verdade pautada nas experiências e na razão. O acesso à leitura e à informação se ampliava e, conseqüentemente, as pessoas tinham maior tendência a formar opinião e a criticar preceitos estabelecidos sobre o mundo. Dentro da própria igreja isso também aconteceu, ocasionando rompimentos e a formação de grupos protestantes, ou seja, que contestavam fortemente os dogmas da igreja católica e buscavam uma renovação condizente com a humanidade desse tempo. Esse rompimento, que deu origem à formação de novas instituições religiosas, foi chamado Reforma Protestante. A igreja católica, por sua vez, não aceitava essas mudanças e se preocupava em reagir a toda forma de inovação. Essa reação foi chamada de Contrarreforma .

Gian Lorenzo Bernini (1598 – 1680). O êxtase de Santa Teresa, 1647 – 1652. Escultura em mármore, capela Santa Maria della Vitoria, Roma, Itália
Um dos meios pelos quais a Igreja entendia que era possível difundir os ensinamentos e a tradição católica era a arte. A igreja já patrocinava artistas na decoração de templos e produção de ornamentos, mas, a partir do período barroco, essa intenção de fortalecimento e a necessidade de afirmação de seus preceitos cresceram, fazendo com que crescessem também os incentivos destinados aos artistas para que trabalhassem com essa intenção. Todo esse contexto histórico e social refletiu-se também na estética das obras artísticas. O que antes era sóbrio e equilibrado passou a trazer uma forte carga emocional. A produção de imagens também se intensificou muito, em contraposição a uma das mudanças que o protestantismo pregava, que era não cultuar imagens de santos.
O interesse nesse incentivo fez com que outros artistas de toda a Europa fossem para a Itália, ajudando ainda mais a difundir, também geograficamente, os ideais da Igreja. Entre esses países estava Portugal, que era extremamente católico e, na época, vivia o auge das expansões marítimas, junto com a Espanha. No processo de colonização, Portugal e outros países dominadores levavam para os povos nativos as colônias e para os escravos seus costumes, cultura e também a religião, doutrinando-os no cristianismo.
Há divergências entre estudiosos quanto à definição precisa de “barroco”: alguns o consideram um período, outros consideram artistas barrocos aqueles cujas obras tinham certas características. Há muitos significados possíveis atribuídos à palavra “barroco”, um deles é “pérola irregular ou imperfeita”. Outro fator importante é que, segundo estudos mais recentes, o nome “barroco” só teria sido usado por volta do século XVIII, e teria surgido de forma pejorativa, para designar essa arte que muitos consideraram estranhas e imperfeitas.
O êxtase de Santa Teresa, do artista italiano Gian Lorenzo Bernini (1598 – 1680) apresenta diversas das principais características que podem ser atribuídas à arte barroca, apesar das variantes que adquiriu de um país para outro com o passar do tempo. Com o intuito de comunicar e convencer os fiéis, com clareza e emoção, dos preceitos da igreja, a arte barroca é dramática e exuberante, carregada de excessos decorativos. Há o predomínio do movimento e da assimetria nas formas, recursos que aumentam a expressividade das figuras, assim como o uso de relações intensas de luz e sombra.
Bernini foi um escultor e arquiteto que realizou muitos trabalhos para a igreja em Roma. Em O Êxtase de Santa Teresa, obra feita para a capela lateral de uma pequena igreja, por encomenda do cardeal Frederico Cornaro (1579 – 1673), ele representa um episódio narrado pela santa espanhola Teresa D´Avila (1515 – 1582) em sua autobiografia. Santa Teresa havia sido canonizada em 1622, e era muito popular na época. Sua vida de entrega espiritual era um exemplo para os fiéis num período conturbando. Em seu livro, ela relata uma experiência de arrebatamento divino em que um anjo a teria atravessado cm uma flecha dourada, enchendo-a de dor, mas também de amor celestial. Apesar de a figura ser de mármore, Bernini trabalha o material de forma a parecer leve: formas esvoaçantes das roupas dos personagens. Eles estão sobre uma nuvem que parece flutuar no ar, o que aproxima, ainda mais, esse êxtase religioso de uma experiência divina. Os raios dourados ao fundo ampliam essa sensação, ao remeter à luz do Espírito Santo.
As artes barrocas possuem forte tendência ao espetáculo, combinando várias linguagens e recursos, em especial, na decoração das igrejas. Toda essa dramaticidade e opulência deveria contribuir para o convencimento dos fiéis, apresentando toda a glória de Deus por meio do que de mais rico existia na Terra: materiais nobres, ouro e pedras preciosas.
Esse espírito conflituoso da estética barroca foi tão intenso que se expandiu para além da arte sacra, criando uma estética que reverberou para todas as artes, incluindo o teatro.
Nesse período, dramaturgos e encenadores de vários países da Europa produziram intensamente obras com características barrocas. Muitos textos dessa época versam, por meio de excessivas metáforas, sobre a angústia criada por uma nova e perturbadora visão do mundo, e o embate entre valores morais e religiosos. Os conflitos dos personagens passam por questões como a finitude da vida e a relação com o mundo material e espiritual.
Em especial na Espanha, a produção teatral possuía um estilo bastante denso e dramático, também característico da arte barroca. Pela intensa produção teatral, o período entre 1580 e 1680 ficou conhecido como o Século de Ouro Espanhol. A angústia da fé católica no contexto da contrarreforma apresentou autores de extrema importância, em um teatro que transitou entre o religioso e o profano. Um dos últimos e mais importantes autores dessa época foi Pedro Calderón de La Barca (1600 – 1681), que escreveu mais de 600 obras, sendo que 120 chegaram completas até os dias de hoje. Seus textos glorificam a corte, motivo pelo qual foram chamados de “comédias palacianas”. Muitas de suas peças eram encomendadas por nobres e, por isso, contavam com um aparato bastante sofisticado, o que muitas vezes servia para encobrir a decadência da aristocracia da época. Seu teatro se classifica como barroco na forma, principalmente pelos exageros do estilo; e no conteúdo, por apresentar um ser humano atormentado pelo conflito entre a realidade mundana (luxo, riqueza, beleza) e as questões espirituais. Uma de suas peças mais importantes é A vida é sonho. Nela, Calderón apresenta a história de Segismundo, filho de Basílio, rei da Polônia. Ao nascer, Segismundo é renegado pelo pai e trancafiado em uma torre, por conta de uma previsão astrológica que dizia que ele seria um filho traidor. Um dia Basílio resolve libertá-lo, mas, com medo de que o filho se voltasse contra ele, resolve antes testá-lo. Dopa-o e o coloca no trono do Rei para testar sua reação e saber se a previsão se confirmaria ou não. Segismundo acorda é não sabe se aquilo é real ou é um sonho. E a história se passa entre esse dilema: será sonho ou realidade?
Segismundo
É certo; então reprimamos
Esta fera condição,
Esta fúria, esta ambição,
Pois pode ser que sonhemos;
E o faremos, pois estamos
Em um mundo tão singular
Que o viver é só sonhar
E a vida ao fim nos imponha
Que o homem que vive, sonha
O que é, até despertar.
Sonha o rei que é rei, e segue
Com esse engano mandando,
Resolvendo e governando.
E os aplausos que recebe,
Vazios, no vento escreve;
E em cinzas a sua sorte
A morte talha de um corte.
E há quem queira reinar
Vendo que há de despertar
No negro sonho da morte?
Sonha o rico sua riqueza
Que trabalhos lhe oferece;
Sonha o pobre que padece
Sua miséria e pobreza;
Sonha o que o triunfo preza,
Sonha o que luta e pretende
Sonha o que agrava e ofende
E no mundo, em conclusão,
Todos sonham o que são,
No entanto ninguém entende.
Eu sonho que estou aqui
De correntes carregado
E sonhei que em outro estado
Mais lisonjeiro me vi.
Que é a vida? Um frenesi.
Que é a vida? Uma ilusão,
Uma sombra, uma ficção;
O maior bem é tristonho
Porque toda a vida é sonho
E os sonhos, sonhos são.
CALDERÓN DE LA BARCA, Pedro. A vida é sonho.
Tradução Renata Palottini. São Paulo: Página Aberta, 1992. p. 46 e 47
Referência Bibliográfica
BOZZANO, Hugo B. , FRENDA Perla., GUSMÃO, Tatiane Cristina. Arte em Interação. Volume Único. ARTE. Ensino Médio. IBEP. 2013